domingo, 23 de setembro de 2012

Tortura


Domingo, 23 de setembro de 2012. 16 horas e 52 minutos. Choveu aqui em Coimbra. Eu nem lembrava mais como era isso. Confesso que senti falta de minha mãe gritando enlouquecidamente para eu correr tirar as roupas do varal. 

Quando eu estava no ensino médio eu queria entrar na universidade por causa do trote. Na verdade demorei pra ter a noção de onde poderia chegar entrando numa universidade. Queria entrar na universidade por causa do trote e por acreditar ser um aglomerado de mulheres gostosas. Me decepcionei com as duas coisas.
Mas vir a Coimbra fez com que eu recriasse toda essa lenda na minha cabeça. No dia 17 de setembro iniciou-se o ano letivo na Universidade de Coimbra. Há 20 minutos da Universidade já dava para perceber a grandiosidade de tudo isso.

Pessoas vestidas com capas tomaram a cidade ao redor da universidade. Pensei que eram aqueles fãs chatos de Harry Potter que nunca pegam ninguém. Mas dava para ouvir os gritos há um distância considerável. Quando cheguei à entrada do Jardim Botânico fiquei impressionado.
Eles vinham de todo o lado. Veteranos torturando seus caloiros. Não, não escrevi errado, aqui chamam os novatos de caloiros e trote de tortura. Alguns ainda chamam o trote de Praxe.

Os caloiros eram obrigados a andar pela cidade entoando a música de seu curso. Gritavam e cantavam com todas as forças dizendo que seu curso era o melhor e que tinham orgulho de ter entrado no mesmo. E as mulheres daqui tem a voz mais grossa que a minha. Creio eu que foi uma caloura portuguesa que dublou a voz do Darth Vader.


Tudo era separado em grupos e muito bem organizado: mulheres para um lado e homens para o outro. Eram cerca de 50 pessoas em cada grupo. Na Universidade há até um Código de Conduta que todos devem respeitar durante a tortura. Tudo segue sua devida tradição.
Além de tomar a cidade cantando e gritando, tinham também as brincadeiras. Os veteranos faziam os caloiros encostar na parede de cabeça baixa e responder perguntas. Faziam os caloiros pagarem micos, correndo pela praça como uma gazela são paulina, deitar no chão como uma barata angustiando seus últimos momentos de vida e até mesmo simular um ato sexual muito selvagem com um árvore.

Uma veterana fez sua caloira se declarar pra mim na fila do refeitório. Ela chegou até mim e disse que estava há muito tempo me olhando e que se apaixonou por mim. Tentei acalma-la, já que esse tipo de coisa acontece com frequência comigo (até parece). Logo percebi a brincadeira e entrei na mesma. Pedi desculpas, mostrei minha aliança e expliquei que já estava em um relacionamento enrolado. Então ela me perguntou onde eu havia deixado minha namorada, e eu respondi que estava no Brasil. Ela deu uma gargalhada e disse: “Você é do Brasil? E aí, beleza cara!?”, meio que ironizando nosso jeito de falar. Até pensei em revidar a zoação e imita-la, mas eu havia feito a barba pela manhã.

Famoso Elefantinho

Pode parecer um ritual satanista. Mas são apenas acadêmicos torturando seus caloiros.

E o melhor disso tudo: os caloiros levam tudo na maior esportiva. Não se vê nenhuma pressão em cima dos mesmos. Realmente só participa quem quer. E todo mundo quer.
E quando cursos diferentes se encontram e acabam ficando frente a frente? Vira uma guerra.  Não há mortos nem feridos. Apesar dos palavrões trocados, tudo na maior civilidade. O mais engraçado foi um pequeno grupo de caloiras de Informática (assim como no Brasil, só faz informática homens que gostam de passar o dia todo jogando Angry Birds no Facebook e mulheres que não conseguiram passar em engenharia da computação) tentando intimidar o maior grupo de todos: caloiras de direito, aqui chamadas de Musas de Direito. Foi engraçado ver dezenas de meninas cantando com todas as forças “Alho Alho Alho vão para o caralh*”. Mas nada disso aqui é visto como arruaça, bagunça ou desordem.

E, ao contrário do que meus veteranos fizeram comigo, nenhum caloiro é obrigado a pagar bebida pra veterano o qual nunca mais verá na vida. Nem são pintados nem obrigados a cortar o cabelo. Durante a execução da tortura não se vê ninguém ingerindo nenhum tipo de bebida alcoólica. Alias, alguns cursos fazem churrasco e distribuem cerveja a seus caloiros. Tudo de graça, sem cobrar nenhum real, digo, euro.

Tive a honra de presenciar essa arte bem de perto. Aqui sim trote é tradição, cultura, entretenimento e integração. Não como no Brasil onde trote é nada mais que fazer com que seu calouro pague uma cerveja para você. Uma das grandes diferenças que deu pra perceber é que nós brasileiros somos uma geração muito “.zip” e pouco “.exe”.

Câmbio, desligo.

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